
Nós marxistas – generalizando -, sobre vários temas, somos frequentemente acusados de sermos sempre pessimistas. Esse pessimismo, inclusive, se estenderia ao complexo da educação que, segundo a opinião de nossos críticos, a teríamos como fadada ao fracasso, sem quaisquer perspectivas de melhorias nem mesmo num futuro longínquo. Mas vejamos isso um pouco mais de perto.
Primeiro que, de fato, por existir várias correntes marxistas, não existem garantias de que não haja alguns marxistas que vejam a educação de forma assim tão mecânica e engessada. Mas como disse, esse coro não é uníssono. Existe outra maneira de perceber a educação.
Para a maioria dos marxistas, e eu me incluo nesse grupo, não se trata da educação está aprioristicamente determinada ao fracasso. Ou seja, que pelo fato da educação manter uma dependência ontológica frente ao trabalho e, consequentemente ao modo de produção vigente, não se possa dela obter qualquer proveito para a causa da emancipação humana.
É verdade que a educação atende predominantemente as demandas do modo de produção vigente, em detrimento de propostas que possam pensá-la para além do saber ler, escrever, contar e apertar parafusos. Numa sociedade cindida em classes sociais com interesses antagônicos, a burguesia e seus vassalos políticos jamais assegurarão uma educação que possa de alguma maneira abalar as estruturas de sua própria dominação.
Entretanto, a educação não é só ontologicamente dependente do modo de produção sobre o qual se edifica todas as relações sociais, ela mantém para com essa base uma autonomia relativa. Grosso modo, significa que há uma margem na qual a educação goza de uma certa autonomia, não estando, portanto, exclusivamente a serviço dos interesses do capitalismo. E mais: há uma determinação recíproca entre educação e a base produtiva. Ou seja, tanto a base produtiva determina a educação como a educação determina a base produtiva.
Já fica claro aqui que, há sim espaço de manobra dentro da educação, e que este pode ser usado para promover uma concepção de educação qualitativamente superior, que aponte para além do capital, que seja comprometida com as demandas da classe trabalhadora. Isso é ontologicamente, historicamente materialmente possível, quer dizer, objetivamente viável.
Porém, isso não quer dizer que seja possível uma educação emancipadora, ou uma educação omnilateral – para usar uma expressão mais marxiana – bem no meio do capitalismo. Para usar um exemplo mais próximo dos(as) pedagogos(as), a Pedagogia Histórico Crítica (PHC), proposta pelo eminente professor e filósofo Dermeval Saviani, é extremamente avançada do ponto de vista de corroborar com a bandeira ontológica da revolução proletária. Todavia, esta proposta jamais foi dominante na educação pública brasileira, e nem será, pois o Estado burguês, administrador dos interesses dos capitalistas, jamais promoverá tal modelo pedagógico-educacional, ele não atiraria conscientemente no próprio pé.
Reconhecer isso não significa de modo algum ser pessimista, mas sim, uma análise mais próxima de como a realidade de fato é. Do mesmo modo, também não significa que, pelo fato de uma educação fundamentalmente maraxista não ter como se estruturar nos dias atuais, que devamos cruzar os braços. Lembra daquela autonomia relativa? é igualmente importante reconhecê-la e usufruir dela.
É aqui que entra a ideia de Atividades Educativas Emancipadoras (AEE), do grande professor Ivo Tonet. Dado a impossibilidade de uma adoção, por parte do Estado, de um projeto de educação que aponte para a superação da exploração da humanidade pela própria humanidade, as AEE’s poderiam ser implementadas informalmente, fora dos limites impostos pelo Estado. Ou seja, tais AEE’s podem acontecer na praça, na associação comunitária, no sindicato, etc, até dentro da escola/universidade, mas independente do currículo e do financiamento do Estado.
Não se trata aqui de contrapor Saviani e Tonet, ou fazer juízo de valor das propostas de um ou de outro autor. Ambas são relevantes. O que quero destacar aqui é que, no final das contas, há um espaço onde podemos atuar enquanto profissionais da educação, de forma a contribuir para uma formação alinhada ao projeto societário marxista, mas jamais podemos esperar que o Estado burguês implemente isso – à exemplo das tentativas com a PHC.
Finalmente, quero dizer que esse assunto não se esgota aqui, apenas quis apresentar uma brevíssima reflexão sobre essa acusação com frequência feita a nós marxistas, em relação a como entendemos a questão da educação.