
Nesta semana, o STF mais uma vez mostrou que o Estado laico não passa de uma farsa. A maioria dos ministros do Supremo decidiram que a ostentação de símbolos religiosos nas repartições públicas, não viola o suposto princípio da laicidade do estado brasileiro.
O argumento utilizado pelo relator, Cristiano Zanin, é que “A presença de símbolos religiosos em prédios públicos, pertencentes a qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, desde que tenha o objetivo de manifestar a tradição cultural da sociedade brasileira, não viola os princípios da não discriminação, da laicidade estatal e da impessoalidade”.
O que os ministros parecem ou fingem não entender é que, tradicionalmente, a religiosidade predominante no Brasil – por imposição dos saqueadores portugueses – é o cristianismo. Disso resulta que os cristãos sempre gozarão de vantagem nesse ponto, e assim sempre se imporão aos adeptos de outras manifestações religiosas.
O argumento utilizado pelos ministros também omite, possivelmente de forma não arbitrária, que não se pode separar o cristianismo manifesto pela maioria dos brasileiros da tradição religiosa do país. É como se o crucifixo que a escola utiliza na sala dos professores pudesse ser apenas, isoladamente, uma alusão a tradição religiosa do Brasil. Sem que tenha qualquer relação com a crença individual das pessoas que decidiram ornamentar o prédio público com aquele símbolo. Tal separação, claro, é impossível.
A posição dos magistrados distancia-se de forma abissal da realidade do Brasil. Se tomarmos como exemplo novamente a escola, quais serão as imagens e símbolos religiosos que, por corresponderem majoritariamente à confissão religiosa dos locais, serão exibidos? Não resta dúvida de que serão símbolos ligados ao cristianismo. Na realidade, já é assim.
No entanto, a decisão do STF reforça e legitima a exclusão e discriminação das religiões minoritárias já existentes. Estas que, como se sabe, foram tradicionalmente excluídas e demonizadas pelo cristianismo. Seus adeptos, vítimas das mais absurdas violências. Basta ver a estatística de locais de cultos que são criminosamente queimados no Brasil, não há templos cristãos nesse meio.
De igual modo o posicionamento do Supremo irá reforçar, por meio da discriminação, a violência contra as pessoas individualmente. Recentemente, uma professora na Bahia foi literalmente apedrejada por seus próprios alunos. O motivo, sua crença religiosa de matriz africana.
Não obstante, a decisão e os argumentos usados pelo STF não surpreendem. Outras medidas parecidas já foram tomadas, como por exemplo o entendimento de que escolas públicas podem ser confessionais. Ou seja, que seu ensino, sua pedagogia, sua concepção de educação e de mundo possa assumir um viés religioso.
No mesmo sentido, em Pernambuco acontece nas escolas estaduais os chamados “intervalos bíblicos”. São momentos supostamente organizados pelos próprios estudantes, uma espécie de culto improvisado no intervalo das aulas. Obviamente, em tais momentos não se vê alusão a nenhuma outra religiosidade senão a cristã. O MP está analisando essa prática para julgar se ela fere a laicidade do estado, mas no ritmo que caminha o STF, pode ser que os “intervalos bíblicos” sejam vistos apenas como manifestação da tradição cultural do país.
Para muitos, posicionamentos assim vindo do STF podem chocar diante do tal princípio do estado laico. Todavia, se verificarmos cautelosamente o que se toma como princípio da laicidade na constituição, é algo extremamente ambíguo e, consequentemente, pouco preciso. Isso abre margem para as mais variadas interpretações.
Tudo isso mostra que na prática o Brasil está longe ainda de ser, de fato, um estado laico. E pior, pela sua formação histórica e seu posicionamento no cenário mundial desde as invasões europeias, dificilmente poderá alcançar no futuro esse patamar de estado laico verdadeiramente. Sobre isso já existe um volume significativo de artigos publicados.
E para quem alimenta esperanças pela política partidária, entre os ministros que votaram a favor, estavam os indicados pela esquerda. Inclusive, um deles é um “comunista” que até recentemente era figura importante do PC do B. Tendo se desfiliado do partido para se encaixar melhor no governo Lula.
Aguardemos as próximas cenas.